Capítulo 1

 A Tropeço da Primeira Página

Lino Britto era o glorioso — e único — editor da revista mais lida no litoral norte de São Paulo, publicação especializada em piadas , trocadilhos infames e horóscopos escritos por um papagaio de circo, aposentado. 

 

Aos 47 anos, Britto ostentava uma barriga de chope, uma calvice desalinhada e uma fé inabalável na força transformadora da risada… mesmo que ninguém mais risse.

 

Naquela segunda-feira cinzenta, ele tropeçou ao entrar na redação. Literalmente. Pisou numa pilha de tirinhas mal desenhadas, voou como um pombo assustado e aterrissou com a testa no teclado do estagiário, que estava mergulhado até o pescoço no jogo do tigrinho.
— "É o destino!", exclamou, erguendo-se com a dignidade de um apresentador de programa infantil demitido ao vivo.
Mas o tropeço não era nada comparado ao que viria a seguir.
Lino havia agendado, por engano, a publicação da “Edição Especial do Dia da Mentira” para 1º de março — não de abril. A edição já estava nas plataformas digitais, repleta de notícias falsas, como "Pato Donald se candidata à presidência" e "Cientistas descobrem que rir cura calvície". 

Leitores revoltados lotaram a caixa de e-mails da revista com insultos criativos, como “Seu palhaço de meia-tigela” e “Meu cachorro escreve piadas melhores”.
— "É marketing ousado!", tentou justificar Lino Britto numa reunião de emergência com a diretoria (que consistia apenas nele mesmo e um Antúrio, (planta carnívora) em estado terminal.

Seu fiel diagramador, Dudu, um ex-mímico que odiava palavras, apenas o encarava com olhos de pânico. Já Cremilda, a faz tudo que acredita fielmente em horóscopo, entrou bufando na sala e deu um esporro no editor, ao descobrir que Capricórnio teria um “romance tórrido com um alienígena do signo de Júpiter”.

 

A tragédia era certa. Mas Britto, com a persistência de um palhaço em chamas, decidiu que aquilo era apenas o começo. Anunciou, com a testa ainda vermelha do teclado:
— "Vamos transformar o erro numa revolução! 
A partir de agora, toda edição será... imprevisível!»
Silêncio total!. O Antúrio caiu do vaso....

 

 

Capítulo 2

 O Plágio e a Copeira Revoltada

O sol mal tinha nascido quando Lino Britto, ainda se recuperando da desastrosa edição do Dia da Mentira, recebeu uma notícia que o fez quase engolir o café com leite — mas não antes de cuspir uma parte na parede da redação. Um jornalzinho local da cidade vizinha, Risos da Hora, estava copiando descaradamente o conteúdo da Gargalhada Semanal. Piadas, tirinhas e até os trocadilhos infames estavam lá, mas com uma diferença crucial: eles eram... melhores.
— "Impossível!", exclamou Britto, sacudindo o celular com a página pirata na cara de Dudu. "Não há piada ruim que eu não possa fazer pior!
Dudu, como de costume, apenas gesticulou com os ombros e voltou a desenhar uma capa onde um hipopótamo dançava samba com um canguru. Mas Britto, não podia deixar essa afronta barata. Ele sabia que, mesmo sendo trapalhão, tinha uma reputação a zelar — ou ao menos, um ego inflado o suficiente para não permitir que fossem mais engraçados do que ele por acidente.


Enquanto tramava um plano mirabolante para desmascarar os plagiadores, o silêncio da redação foi interrompido por Cremilda, a ‘copeira’az tudo que, de forma inesperada, vinha carregando o peso emocional da redação. Ela entrou bufando, segurando uma cópia do horóscopo que ela mesma havia distribuído para a edição daquela semana.
— "Lino, eu não aguento mais ser de Capricórnio!", disse, com o olhar firme de quem estava prestes a mudar de vida — ou, pelo menos, de signo. "Quero mudar minha data de nascimento. Por que não nasci em abril? Quero ser de Áries, Lino! O horóscopo de Capricórnio sempre me promete desgraça. O último disse que eu encontraria um alienígena! 
O que isso quer dizer?
— "Cremilda, ninguém leva horóscopo a sério...", tentou argumentar Lino, Britto, mas foi interrompido.
— "Eu levo! E já conversei com o padre da igreja aqui do lado. Ele disse que mudar de signo não é pecado. Agora, se você não alterar a minha data de nascimento no horóscopo, eu faço greve de café!" ou pior: eu peço as contas e boto o Gargalhadas Semanal no pau.  


Uma frase das ameaças de Cremilda, deixou Lino atônito. Sem café, como ele funcionaria? Como qualquer editor funcionaria? Era uma ameaça mais grave do que a revista pirata ou um processo trabalhista. 
A pressão estava insuportável. Britto, num lampejo de genialidade misturado com pavor, fez uma promessa absurda: faria um horóscopo especial para Cremilda, um em que todos os signos eram positivos e cheios de sorte. Uma edição “feliz” e sem alienígenas.


Enquanto isso, na cidade vizinha,  o Risos da Hora continuava sua jornada de plágio impiedoso. E Britto sabia que, nas próximas semanas, além de lidar com uma copeira insatisfeita, teria que travar uma guerra de piadas com seu novo e misterioso rival.

 

Capítulo 3

 O Cripto Desastre de um Cético Cômico

Depois de dias remoendo a humilhação de ver suas piadas sendo copiadas com mais graça do que as originais, Lino Britto tomou uma decisão radical. Deitado no sofá da redação, com olheiras profundas e um saco de amendoim vencido, ele levantou-se num salto dramático:

— "Se as piadas não dão lucro... eu vou investir em criptomoedas!"

Dudu, o diagramador mímico, quase engasgou com a própria saliva. Cremilda largou a cafeteira no balcão com a expressão de quem ouvia um plano de assalto à NASA. Britto, no entanto, estava determinado. Viu um vídeo no YouTube de um coach com topete brilhante dizendo que investir em cripto era o caminho para a liberdade financeira — e, por que não, para salvar a Gargalhada Semanal da falência.

No mesmo dia, trocou o último salário atrasado por uma moeda digital obscura chamada RisoCoin, cujo slogan era: "Invista com humor, perca com estilo!".

Dois dias depois, o valor da RisoCoin caiu 98% após seu criador desaparecer com o dinheiro dos investidores e fugir para um país sem extradição. Lino Britto, que mal sabia o que era blockchain, entrou em pânico. Chegou na redação como um zumbi triste, com um cofrinho vazio e a dignidade mais desvalorizada que a própria cripto.

— “Chega de fugir!”, disse, batendo na mesa com um gibi velho. “Eu sou editor de uma revista de piadas ruins e... É isso o que sei fazer de pior!”

Inspirado por sua própria ruína financeira, Britto voltou ao centro da Gargalhada Semanal. Limpou o teclado, regou a planta (que milagrosamente ainda resistia) e convocou uma reunião de emergência com Dudu E Cremilda.

— “Vamos combater o Risos da Hora com criatividade, coragem e o que temos de melhor: absurdos, trapalhadas e horóscopos alienígenas!”

— “E café!”, completou Cremilda, já preparando uma garrafa dupla.

— “E silêncio expressivo”, sussurrou Dudu, fazendo uma pantomima de palmas.

Gustavo então bolou um plano para transformar a próxima edição na mais ousada da história da revista. Incluiria entrevistas com objetos inanimados, receitas enviadas por fantasmas e uma reportagem investigativa sobre a real origem das risadas enlatadas.

O humor, ele sabia, era sua ruína e sua salvação. E se o concorrente queria guerra, teria uma batalha de piadas onde o único limite era o senso do ridículo.

Capítulo 4

 O Ataque Extraterrestre (de Imprensa)

Era manhã de sexta-feira quando a bomba caiu na redação da Gargalhada Semanal. Lino Britto, com olheiras dignas de um urso panda desempregado, abriu o envelope anônimo deixado embaixo da porta. Dentro, estava a nova edição do Risos da Hora, o concorrente plagiador. Na capa, em letras garrafais e fluorescentes, lia-se:

“EXCLUSIVO: Editor de revista de piadas engravida alienígena do signo de Júpiter!”

Abaixo da manchete, uma montagem tosca mostrava Britto abraçado a uma criatura verde de três olhos, usando batom e um chapéu de cozinheira. A legenda?

“Amor interestelar: nosso humorista vai ser papai galáctico!”

Lino Britto empalideceu. O papel tremia em suas mãos. Suava mais que palhaço no metrô das seis. Cambaleou até sua cadeira giratória e caiu nela como quem aceita a própria extinção.

— “Eles... Eles usaram meu horóscopo contra mim!”, murmurou, em estado de choque.

Cremilda, que lia a matéria encostada no bebedouro, gargalhava tão alto que parecia um alarme de incêndio. Dudu sempre silencioso, estava literalmente rolando pelo chão da redação, rindo em mímica.

— “Chefe, você não avisou que ia ser papai!”, zombou Cremilda. “E com uma alienígena ainda por cima? Isso que é globalização cósmica!”

Britto, pasmo, só conseguia balbuciar:

— “Mas... mas isso é calúnia... e com efeitos especiais ruins!”

A matéria era uma peça de ficção descaradamente inspirada no horóscopo surreal que Lino Britto havia autorizado na edição passada, onde Capricórnio (signo de Cremilda) viveria um “romance intergaláctico”. O Risos da Hora havia pego a piada e a virado contra ele, transformando o editor numa celebridade de tabloide interplanetário.

Ele cogitou processar, fugir, mudar de nome, abrir uma barraquinha de cachorro-quente em Saturno... mas, estranhamente, havia algo mágico naquele caos. Pela primeira vez, sua própria equipe ria de verdade — e por causa dele. Ainda que fosse uma vergonha cósmica, era também... engraçado.

Inspirado por esse momento de riso genuíno, Britto levantou-se, apontou para a máquina de escrever quebrada e declarou:

— “Se querem guerra de absurdos, vão ter! Vamos preparar a edição da vingança: ‘O dia em que a alienígena revelou o verdadeiro pai!’”

— “E quem seria?”, perguntou Dudu, em gesto mudo.

— “O prefeito ou o padre! É claro!”, respondeu Btitto, piscando.

O riso, afinal, era a única arma com a qual sabia atirar — mesmo que no próprio pé.

 

Capítulo 5

 A Edição da Vingança (ou Quase Isso)

A redação da Gargalhada Semanal virou um campo de batalha criativa. Ainda abalado pela manchete cósmica do Risos da Hora, Lino Britto reuniu sua trupe para arquitetar a revanche editorial que mudaria o curso da guerra do humor do litoral.

— “Vamos lançar uma edição bombástica. Uma capa que vai fazer a concorrência engasgar com o próprio sarcasmo!”, disse Lino, de pé sobre uma pilha de almanaques antigos e restos de papel higiênico.

Cremilda apareceu com um caderno de receitas dos anos 80, jurando ter encontrado ali a solução para a manchete:

“Silvio Santos é o verdadeiro pai do filho da alienígena! Revelações da nave SBT-3000.”

Dudu, em silêncio teatral, desenhou a capa numa cartolina: Silvio Santos, de terno prateado, segurando um bebê com anteninhas e dando uma risada maligna, enquanto uma nave espacial lançava aviõezinhos de dinheiro.

— “GENIAL!”, gritou Lino, abraçando os dois com força suficiente para quase deslocar a coluna da copeira.

A equipe passou dois dias sem dormir, comendo salgadinhos mofados e redigindo as matérias mais absurdas da história da revista. Entrevistaram supostos especialistas em DNA galáctico (um era o sobrinho do porteiro) e conseguiram um “depoimento exclusivo” da alienígena, dublado por Cremilda com uma voz rouca e sotaque escocês.

No dia do lançamento, espalharam a edição por toda a cidade. Cartazes foram colados em postes, paradas de ônibus e até numa galinha empalhada em frente a Igreja Matrizl.

A reação? Instantânea.

A capa viralizou nas redes. Teóricos da conspiração abraçaram a história. Um programa de auditório cogitou entrevistar Britto ao vivo. E o Risos da Hora? Silenciou. Por uma semana inteira. Nenhuma piada. Nenhum deboche. Apenas um estranho editorial dizendo:

“Nem todo mundo está preparado para a verdade.”

Lino Britto, pela primeira vez, sorriu sem nervoso.
— “A guerra virou. E tudo graças a um bebê alienígena e a um velho apresentador de TV.”

Cremilda levantou um brinde com café frio. Dudu respondeu com um aplauso mudo e dramático. Estavam vencendo, não com lógica, mas com puro caos criativo.

Na redação, o riso reinava. Mesmo que, no fundo, todos soubessem: a próxima tragédia cômica estava logo ali, virando a esquina.

 

Capítulo 6

 Amor, Café e Adultério no Subsolo

Era uma manhã aparentemente tranquila na redação da Gargalhada Semanal. O som das teclas antigas ecoava entre uma pilha de exemplares mofados e o aroma constante de café forte. Lino Britto, ainda saboreando o gostinho da vitória sobre o Risos da Hora, achava que nada poderia mais abalar sua já calejada sanidade.

Até que Cremilda apareceu.

Cremilda, a copeira, astrológica, bisbilhoteira e agora... apaixonada. Ela entrou na sala com a firmeza de quem carrega uma bomba e a leveza de quem acha que está apenas entregando um pão de queijo.

— “Chefe, preciso te contar uma coisa antes que a boca me estoure... Eu tô tendo um caso com o Seu Onofre, o motorista.”

Silêncio.

O relógio parou de fazer tic-tac. Dudu congelou no meio de uma pantomima. E o café... soltou uma fumaça amarelada, como se até ele soubesse que aquilo ia feder.

Lino Britto arregalou os olhos.

— “O Seu Onofre? O que tem bigode em forma de ponto de interrogação? Mas... Cremilda, ele é casado, com a dona Terezinha, aquela senhora que toca sanfona em velórios!”

— “Pois é”, respondeu Cremilda, mexendo o café como quem mistura encrenca com açúcar. “Mas o amor... o amor é um ônibus sem freio, e Onofre é meu motorista.”

Britto massageou as têmporas. Tinha enfrentado plágios, criptomoedas fantasmas e um escândalo intergaláctico. Mas escândalo de verdade, com nomes reais, aliança no dedo e sanfona envolvida... isso era outro nível.

— “Você tem noção do que pode acontecer? Se a dona Terezinha descobrir, ela transforma essa redação numa quadrilha junina de cemitério!”

— “Chefe, eu só queria que você soubesse. E que escrevesse nosso horóscopo com mais Vênus e menos Marte. Tô vivendo um amor proibido, mas bonito.”

Nesse momento, Dudu escreveu algo no quadro branco:
“Seu Onofre e o Caso do Café Amargo – próxima matéria de capa?”

Lino Britto, contra todo bom senso, sorriu. A desgraça, quando bem editada, vendia bem. E se a vida queria empurrá-lo ladeira abaixo, que fosse com manchete escandalosa e cheiro de café traído.

— “Tá bom, Cremilda. Mas se a dona Terezinha aparecer armada com a sanfona, você atende.”

E assim, mais uma vez, o caos virou pauta. E a redação seguia firme, entre gargalhadas, ruínas e paixões com ponto final em forma de bigode.

 

Capítulo 7

 A Piada Maldita e o Xixi da Revelação

Depois do escândalo com Seu Onofre e da quase tragédia causada por uma sanfona voadora, Gustavo achava que o universo já tinha lhe jogado tudo. Ingênuo.

Inspirado por uma revista bolorenta dos anos 90, decidiu lançar o Concurso da Piada Maldita.
— “É o momento! O Brasil precisa rir... ou processar a gente de vez!”, declarou, empolgado.

A proposta era simples: enviar a pior piada possível. Tão ruim que fizesse rir por desespero ou chorar de raiva. A premiação: uma caneca personalizada com a frase “Morri de vergonha e ainda ri”.

Enquanto isso, Cremilda andava estranha. Esquecia o açúcar do café, passava pano no ventilador, olhava pro teto e suspirava.
— “Tem alguma coisa errada com a copeira”, sussurrou Britto
— “Ou certa demais...”, respondeu Dudu, dramático como sempre.

Em paralelo, as piadas começaram a chegar: trocadilhos com múmias veganas, pinguins deprimidos e até uma envolvendo um padre, um drone e um bidê.

A escolhida, no entanto, causou uma pequena guerra civil nas redes sociais:

“Por que o pombo não vai à igreja? Porque até ele sabe que não se caga onde se reza.”

A publicação fez com que Lino Britto recebesse ameaças de exorcismo por carta registrada. Um protesto se formou em frente à redação, liderado por um pastor, dois escoteiros e um pombo batizado de Anacleto.

Mas foi aí que o caos se multiplicou.

Na hora do café da manhã, Cremilda se aproximou com uma bandeja tremendo. Olhou Lino Britto nos olhos e, com a calma de quem vai derramar o apocalipse em xícaras:

— “Chefe... acho que tô grávida.”

Silêncio.

Dudu, deixou cair um sachê de açúcar e engasgou com o pão de queijo. Britto piscou sete vezes antes de responder:

— “Do... Seu Onofre?”

Cremilda desviou o olhar.

— “A lua estava em Vênus. E eu... tava vulnerável.”

Lino encostou-se à impressora.

— “Cremilda... a gente tá sendo processado por um pombo e agora talvez tenhamos um bebê de motorista vindo aí. Você tem noção da manchete que isso rende?”

Ela assentiu, segurando firme a bandeja.

— “Tem. E pode apostar que vai vender horrores.”

 

Capítulo 8

 Entre Céu, Cafés e Covardias

Nada ia bem.

Na redação da Gargalhada Semanal, a máquina de xerox tossia como um fumante de 90 anos, o estoque de papel higiênico virou bloco de anotações, e a luz da sala do Lino Britto piscava como se quisesse sair correndo.

Cremilda, a copeira mais dramática da história da imprensa nacional, andava em círculos pela copa segurando um teste de gravidez ainda lacrado. Lera a bula quatro vezes, consultou seu horóscopo em três sites diferentes e até tirou cartas de tarô com uma amiga pelo WhatsApp.

— “Não é só um teste, chefe… é o destino em forma de plástico.”

— “Cremilda, é só um palitinho com química! Você vai urinar ou prefere pedir uma audiência com o Ministério da Saúde?”

Ela o ignorou.

Mais tarde, a bomba explodiu: Seu Onofre, o motorista, pediu demissão.
— “Preciso pensar na minha vida, Lino. A Terezinha me ameaçou com a sanfona. Não aguento mais conviver com essa Kombi sem freio e agora a Cremilda  falando em bebê de Aquário. Não tenho condições psicológicas! Eu sou de Capricórnio. Isso não pode dar certo.
”Lino Britto o olhou com cara de quem perdeu o pouco juízo que restava.
— “Você me deixa com uma copeira "quase"grávida, um escândalo de bastidores e sem motorista. Como vou buscar os folhetins no Sebo do Seu Nestor agora?”

Mas a cereja do caos veio no fim da tarde, quando um envelope cerimonioso chegou com o selo dourado da Paróquia São Miguel Arcanjo dos Últimos Risos.

— “A Igreja quer uma reunião com o senhor Lino Britto, para discutir os limites do humor e o respeito às instituições divinas.”

Dudu leu em voz alta, já rindo.

— “Vai virar debate teológico! Humor versus Céu!”

— “Se a gente for excomungado, podemos publicar isso?”, perguntou  Dona Maricota, com uma vassora na mão e um balde na cabeça,

Cremilda, em silêncio, segurava o teste de gravidez com tanto cuidado que parecia carregar um santo em miniatura.

— “E se der positivo?”, murmurou ela.

Lino espondeu, cansado e cínico:

— “Aí eu viro padrinho. E começo uma nova revista: Cólica Semanal.”

Todos riram. Ou quase. Porque, mesmo na desgraça, riso ainda era o que os mantinha vivos.

 

Capítulo 09

  Amém ou Amordaça
A sala de reuniões da Gargalhada Semanal cheirava a café, desespero e desinfetante vencido. Lino Britto ajeitava o colarinho da camisa emprestada de Dudu, que estava dois números acima e deixava ele com cara de cantor de banda de baile dos anos 80.
— “Você tá apresentável?”, perguntou Maricota, passando um pano encardido na mesa .
— “O padre veio conversar, não canonizar. Vai dar tudo certo.”
Mas Lino não acreditava nem em horóscopo chinês naquele dia.
O Padre Alcebíades chegou pontualmente às 10h, acompanhado de uma assistente paroquial chamada Irmã Dolores 
— mulher magra, de coque apertado e olhos de raio-X.
— “Viemos em espírito de paz”, disse o padre, sentando-se com a solenidade de um juiz do STF. - “Mas também viemos com dor no coração. - ”Gustavo fingiu um sorriso diplomático.
— “A piada do pombo foi uma metáfora... artística.”
— “O pombo não era o problema”, respondeu Alcebíades. “É o conjunto da obra. O humor precisa de limites, filho. Até Cristo fez graça, mas nunca humilhou. - ”Irmã Dolores completou:
— “O Senhor multiplicou pães, não trocadilhos.” - Gustavo pigarreou.
— “Entendo. E peço desculpas. Podemos... incluir uma seção de piadas edificantes. Algo como ‘O Evangelho Segundo o Riso’?”
O padre pensou, coçou o queixo e respondeu:
— “Se houver respeito... podemos rir juntos.”
Enquanto isso, do lado de fora da sala, Cremilda encarava o teste de gravidez como quem encara um leão-marinho numa viela escura.
— “Não tô pronta. A lua ainda tá em Capricórnio. Não é um bom dia pra descobertas existenciais.”
Dudu suspirou:
— “Cremilda, você tá atrasada há quase um mês. Se demorar mais, a criança nasce e já pede café com chocolate.”
Ela se virou, firme:
— “Vou fazer esse teste quando o universo me der um sinal.”
E no exato momento em que disse isso, a luminária da sala de reuniões explodiu com um estalo seco. Um curto-circuito iluminou a imagem de São Genésio — padroeiro dos comediantes — pendurada na parede.Silêncio geral.
— “Pronto”, murmurou Dudu. “Acho que o sinal chegou.”Cremilda olhou pro céu, depois pro palitinho. E o guardou de novo na bolsa.
— “Só mais um dia…”
Na sala ao lado, o padre aceitava um café e dizia:
— “Com açúcar, por favor. Afinal, o mundo já tá amargo demais.”

 

Capítulo 10 

Santidade, Suspeitas e o Jaleco do Destino
Cremilda acordou com o pressentimento de que aquele seria o dia. O céu amanheceu cinza, os pombos não voaram, e a cafeteira queimou o café logo na primeira passada.
Enquanto isso, Lino Britto tentava lidar com as consequências da reunião com o padre Alcebíades, que saiu da Gargalhada Semanal com a testa franzida e uma promessa enigmática:
— “Nos vemos no altar, filho.”
— “Isso é uma ameaça ou convite pra casamento?”, murmurou Maricota.
No escritório, Cremilda encarava o teste de gravidez pela 37ª vez.
— “Hoje sim”, murmurou, e entrou determinada no banheiro da redação.
De repente, uma explosão.
Não era figurativa — o micro-ondas da copa, entalado com um pastel congelado de 2018, decidiu que não aguentava mais viver. BUMMMMMMM!
Fumaça. Gritos. Dudu coberto de milho estourado. Lino gritando “foi terrorismo gastronômico!” E de dentro do banheiro, saiu Cremilda, suada, tremendo, segurando o teste como quem segura o Santo Graal:
— “NEGATIVO! O TESTE DEU NEGATIVO!”
Todos aplaudiram. Até o pombo Anacleto pousou na janela em sinal de paz.
Mas a dúvida persistia. Então, Maricota marcou uma consulta com o único profissional capaz de apaziguar o coração inquieto de Cremilda: 
Dr. Auro — ginecologista, astrólogo de rodapé de jornal e ex-figurante de novela bíblica.
Baixinho, barrigudo, usava um jaleco tão branco quanto suspeito, claramente comprado numa loja de fantasias e uma barriga postiça, que era pra passar confiança às pacientes, mas a voz era tão doce que se tornava enjoativa em segundos.
— “Minha querida Cremilda… sua gravidez é apenas psicológica. Isso é apenas… carencia de afeto, cálcio e, talvez, umas férias no litoral norte.”
Ela chorou. Não de tristeza, mas de alívio.
No mesmo dia, o editor recebeu um envelope:

“Convite Oficial:  Missa de Reparação – Domingo, 8h. Traje formal. Confissão opcional.”Assinado: Padre Alcebíades.
— “Ele quer que eu vá me redimir no altar…” — disse Lino às gargalhadas
— “Vai lá”, disse Dudu. “Leva Cremilda. Ela precisa agradecer.”
— “E você?”, perguntou Lino Britto.
— “Eu sou ateu, mas curioso.”
Lino Britto suspirou.
O pastel explodira, Cremilda não estava grávida, e o padre 
queria convertê-lo.

A vida, naquela redação, era uma comédia com roteiro divinamente absurdo.
 

Proximo capítulo 02/06